segunda-feira, 15 de março de 2010

Vendendo Ilusões

VENDENDO ILUSÕES Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS
Duas ilusões estão à venda nas feiras do processo eleitoral de 2010. A propaganda política e a publicidade a ela vinculada tratarão de impor tais mercadorias sobre o conjunto da população. Ambas, aliás, já estão sendo apresentadas como sedutoras novidades no consumismo irrefletido da opinião pública. A primeira ilusão é a de que, em 2010, dois projetos político-econômicos estão em disputa nas eleições presidenciais. Um batizado pelo atual governo de conservador e neoliberal, tenderia a voltar atrás nas mudanças efetuadas na última gestão. Outro seria o projeto de continuidade do governo Lula, voltado, segundo o discurso de seus porta-vozes, para os interesses e necessidades dos setores mais carentes da população. Nada mais enganoso. Na verdade, o que teremos nas eleições de 2010, é o confronto entre duas versões de um mesmo projeto, fundamentado em bases capitalistas de produção e na filosofia liberal, ou neoliberal, se quisermos. Uma versão é a que, seguindo a lógica do mercado, procura distribuir algumas migalhas às camadas e regiões mais pobres do país, através dos programas de bolsa-família, microcrédito, ajuda a movimentos sociais, etc. Mas deixa intactos as estruturas e privilégios dos setores financeiro, latifundiário, empresarial, do grande comércio e das telecomunicações. Basta conferir os lucros que acumularam os bancos, as empresas de telefonia e o agronegócio nos últimos anos. Projeto “pai dos pobres e mãe dos ricos”, como se diria de Getúlio Vargas. A outra versão carrega embutido o risco de aprofundar o processo de privatizações iniciado por Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso. Pode também cortar algumas dessas migalhas já consolidadas para milhões de famílias empobrecidas. Mas não necessariamente. Na hora da chegada ao poder, o pragmatismo político e a aliança pela governabilidade costumam pesar mais que a ideologia dos eleitos. Não foi isso que ocorreu, aliás, no início do governo Lula? De uma versão para outra, tivemos e teremos novamente uma continuidade de fundo, oculta e travestida por mudanças de superfície. Tanto na passagem de FHC para Lula quanto agora, na passagem de Lula para o próximo governo, muda-se no varejo para manter as rédeas do atacado. Transformam-se alguns dados da conjuntura para conservar a estrutura. Por isso é que as políticas públicas, duradouras e profundas, tendem a ser substituídas por políticas compensatórias, efêmeras, eleitoreiras e descartáveis. Passa-se um verniz retórico no móvel velho para vendê-lo como novo. Tem primazia o principio segundo o qual “mudar é uma forma de continuar”. Em lugar de projetos de longo prazo, prevalecem às respostas imediatas para problemas imediatos, ao sabor do pêndulo que costuma marcar o vaivém da corrida eleitoral. A segunda ilusão à venda é a de que o Brasil caminha em ritmo mais ou menos acelerado para uma nova potência mundial. De país emergente para uma das grandes nações do planeta. A opulenta oferta de comodites, o petróleo agora impulsionado pelas descobertas do pré-sal, a capacidade de fontes energéticas alternativas, o gigantesco e variado parque industrial, entre outras coisas, justificaria esse otimismo. Com isso, por um lado, vende-se a idéia de que a população no seu conjunto caminha para um bem-estar e conforto crescentes, a exemplo dos países centrais; por outro lado, implícita ou explicitamente, divulga-se a certeza de que cada cidadão em breve sairá da pobreza e da miséria para um melhor padrão de vida. Ou seja, um Brasil rico implicaria em maior riqueza para todos os seus cidadãos. Diante de semelhante euforia, três perguntas se impõem. A primeira diz respeito aos vícios históricos e estruturais do crescimento econômico, sob o modo de produção capitalista. Como lembrava Paulo VI na ‘Populorum Progressio’, tal crescimento por si só não garante o desenvolvimento integral de todas as pessoas humanas. Ele se faz sob o signo da acumulação, privilegiando uma minoria em detrimento da grande massa da população. Em uma palavra, o Brasil crescerá para quem? Historicamente, é notória a defasagem entre o progresso tecnológico e o aumento da produção e da produtividade, por uma parte, e, por outra, a precariedade das condições de vida do conjunto dos países e regiões subdesenvolvidas. O resultado é que, na periferia do mundo, crescem os problemas nas áreas do trabalho (escravo, infantil, subhumano, exaustivo), salário justo, saúde, habitação, educação, transportes coletivos, segurança, lazer, etc. A segunda pergunta tem a ver com a preservação do meio ambiente. Em que medida a extração indiscriminada de minério, o aumento das comodites de exportação, a preferência pelos agrocombustíveis e o incentivo ao agronegócio contribui para combater (ou para piorar) o aquecimento global com suas conseqüências? Há uma contradição que tende a agravar-se. A opção brasileira pelos mega-projetos – sejam eles energéticos, mineradores, petrolíferos, agropecuários ou agroindustriais – segue na contramão da consciência ecológica das últimas décadas. Os incentivos aos grandes empreendimentos, em contraste com o descaso diante das iniciativas populares de economia solidária, por exemplo, negam uma retórica falaz e demagógica de defesa do meio ambiente. Por fim, a terceira pergunta nos coloca frente a uma verdadeira encruzilhada. O Brasil tem a vantagem de ser um dos países de maior quantidade de terras agricultáveis do planeta. O quê, como e para quem produzirão essas terras? Aí está à grande bifurcação histórica diante da qual nos encontramos. A política atual parece privilegiar um programa intenso de exportação de comodites e, por outro lado, manter o luxo do transporte individual movido a agrocombustíveis, em prejuízo de melhorias nos meios de transporte coletivo. A encruzilhada é clara: ou seguimos essa política e a longo prazo, comprometemos a produção de alimentos baratos e em abundância, ou apostamos numa mudança profunda da política energética, juntamente com os esforços por resolver as necessidades básicas da população o. Na medida em que o processo eleitoral de 2010 tende a divulgar e vender essas duas grandes ilusões – a) disputa de dois projetos opostos e b) Brasil como potência mundial – a própria democracia está em jogo. As eleições deixam de ser livres para seguir as coordenadas de um programa pré-estabelecido. Votar não é escolher um programa, mas escolher pessoas que, conscientes ou não, devem submeter-se ao programa já imposto. Depositar o voto na urna equivale a escolher os políticos que, independentemente de sua vontade e partido, terão de dar continuidade ao projeto vigente. Corre-se o perigo de escolher aqueles ou aquelas que, cedo ou tarde, acabarão por trair seus ideais e seus eleitores. Garantidas tal continuidade da política econômica e os privilégios das classes dominantes, votar passa a ser um exercício ineficaz e inócuo. A liberdade de escolha do cidadão esbarra nos entraves históricos e estruturais de uma democracia viciada pelo continuísmo na economia. Nem a política se rege por princípios éticos, nem a economia se subordina às decisões políticas. Diante das leis férreas do mercado, o cidadão que sai de casa para votar não passa de marionete, comandada por interesses que não lhe dizem respeito. Uma olhada para os debates na Câmara e no Senado e para o comportamento do Executivo e do Judiciário, nos últimos anos, basta para ver como os “habitantes do planalto” encontram-se a quilômetros de distância das lutas, sonhos e aspirações que laboriosamente rastejam pela planície. Duas observações de Herbert Marcuese (em O Homem Unidimensional) podem servir de ponto final a esta reflexão. Escrevendo ainda em 1964, ele profetizava que “a democracia aparecerá como a forma mais eficaz de dominação”. E mais adiante, no mesmo estudo, alertava para o fato de que “a linguagem da política tende a converter-se na linguagem da publicidade”. Política e publicidade se unem para vender ilusões, da mesma forma que criam e recriam necessidades para novos produtos de consumo.

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