sábado, 19 de junho de 2010

Dobradinha PT e arney

DOBRADINHA PT E SARNEY Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS
Uma das provas mais estridentes de que o Partido dos Trabalhadores deu as costas ao berço em que nasceu é a dobradinha estabelecida com a oligarquia Sarney. Dobradinha que já criou sérios constrangimentos no palco e bastidores do Senado, e agora atropela a trajetória natural do PT no estado do Maranhão. O Planalto e a direção do partido empurraram goela abaixo a aliança com a candidatura Roseana Sarney ao governo daquele estado. Entre as manifestações contrárias, está em curso até greve de fome por figuras historicamente representativas do PT.
Não é novidade para ninguém que o Partido dos Trabalhadores surgiu como um rio de águas caudalosas no início da década de 1980, formado por uma grande variedade de igarapés. Só para não esquecer, seus principais afluentes se originaram no sindicalismo combativo, nos movimentos sociais, nas Comunidades Eclesiais de Base e sua Teologia da Libertação, nas organizações estudantis acompanhadas de grandes intelectuais ligados ao universo acadêmico, entre outros setores da sociedade.
Embora com linhas de contorno indefinido, vinha se desenhando o que se poderia chamar Projeto Popular para o Brasil. Projeto que, vale lembrar, tem raízes históricas nas lutas indígenas, negras e populares ao longo dos séculos, mas ganha certo esboço nos anos de 1950-60, com uma série de iniciativas por todo território nacional, tais como as Ligas camponesas, a educação Paulo Freire, o movimento das universidades, e assim por diante. O golpe militar de 1964 decepa-lhe a cabeça e impõe a consolidação do projeto liberal ou neoliberal.
O Projeto Popular irá despontar novamente no decorrer dos anos 1970, alargando suas margens nas duas décadas seguintes. A iniciativa das Semanas Sociais Brasileiras, com um grande leque de eventos, atividades e parceiros, o batizará com a expressão “Brasil que queremos”. Os movimentos, pastorais e organizações sociais se fortalecem individualmente, passando logo a estabelecer uma rede de promoções conjuntas, que acabam culminando nos plebiscitos populares contra o pagamento dos juros e serviços da dívida externa, contra a implantação da ALCA e contra a privatização da Companhia da Vale do Rio Doce.
Neste contexto, a candidatura do Lula não cai de pára-quedas, não é um meteoro que aparece do nada. Tem raízes profundas nos vários afluentes do rio formado pelas esquerdas brasileiras. Tanto que, nos anos 1980-90, trava-se uma batalha política entre o Projeto Popular e o Projeto Neoliberal, este representado por José Sarney, como vice vitorioso de Tancredo Neves, e por Fernando Collor de Melo e Fernando Henrique Cardoso, aquele impulsionando pela avalanche das organizações sociais.
Quando ganha as eleições presidenciais em 2002 e assume o poder, o Partido dos Trabalhadores, especialmente na figura do Presidente da República, começa a dar as costas às forças sociais que o haviam elegido. A meu ver, três razões o explicam: primeiramente, a famigerada carta endereçada ao povo brasileiro, mas na verdade dirigida ao mercado financeiro nacional e internacional, como garantia de continuidade; em segundo lugar, a costura de uma aliança pela governabilidade, que incluirá os setores mais retrógrados e avessos a mudanças na trajetória do país; por fim, a discrepância flagrante entre as expectativas levantadas em torno da eleição de um migrante-operário-metalúrgico, de um lado, e a fragilidade efetiva das organizações populares, de outro.
A dobradinha entre PT e Sarney, no processo eleitoral de 2010, não faz senão confirmar essa opção política. Aqui não está em análise a pessoa e as intenções, boas ou más, do Presidente Lula. A avaliação procura tomar em conta as peças de um xadrez histórico muito mais amplo e complexo da política brasileira. Nesta, a manutenção dos privilégios garantidos aos representantes do andar de cima costumam ser constantes e intocáveis, ao passo que os favores oferecidos aos moradores do andar de baixo são sempre incertos e variáveis. Enquanto uns estão afiançados pela força da lei, os outros subordinam-se ao humor do chefe de plantão.
Caso os movimentos e lutas populares tentem ameaçar os privilégios das classes dominantes, ou transformar em direitos os favores da população de baixa renda, a resposta histórica tem sido o chicote, o tronco, a polícia, o exército... Numa palavra, a repressão! Os detentores do poder e da riqueza sabem afiar as unhas e arreganhar os dentes quando as massas se levantam diante de suas terras, de suas mansões ou de suas contas bancárias no exterior.
Resulta que, irônica e paradoxalmente, um partido engendrado nos meios populares é hoje chamado a administrar a crise e superação do modelo neoliberal. E a democracia brasileira, da mesma forma que a de outros países, pouco faz além de sacralizar esse estado de coisas. As urnas e seus votos constituem a benção legal de uma ordem injusta, ilegítima e estruturalmente assimétrica. Vota-se não por mudanças substanciais, e sim pela estabilidade do status quo e por algumas migalhas do bolo.

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